Depois de cinco dias de negociação pós-eleitoral seguida a par e passo pela imprensa os Conservadores e Liberais Democratas britânicos acordaram o primeiro governo de coligação que a Grã Bretanha vê desde a segunda guerra mundial, quando as circunstâncias claramente extraordinárias levaram à formação de um governo de unidade nacional sob a batuta desse grande vulto do Século XX que foi Churchill.
O Guardian de hoje expunha detalhadamente o que cada uma das partes ganhou e cedeu no acordo, onde destaca o compromisso conservador em aprovar legislação que permita um referendo sobre a alteração do sistema eleitoral (mesmo que depois faça campanha por uma posição diferente da do seu parceiro de coligação), que votou o terceiro partido à irrelevância nas últimas seis décadas e protege, segundo alguns analistas, os conservadores da maior força proporcional do voto trabalhista no Norte inglês e na Escócia.
Mais do que o que cada partido cedeu ou aceitou, ou do que a forma como os pontos de negociação espelham as diferenças ideológicas e da forma de ver a Grã Bretanha de cada um dos partidos, o que acho admirável é a forma clara e transparente como os eleitores, que estes políticos nunca esquecem representar, têm exacto conhecimento, medida a medida, compromisso a compromisso, da plataforma sob a qual os partidos acordam partilhar o poder e formar Governo juntos.
E se é de facto admirável a elevação e a clareza do processo no caso do Reino Unido, tanto mais se torna quando nos recordamos o quão raro e distante é, na história e na cultura democrática deste País, a realidade de um Governo de coligação. O que para os europeus continentais é um hábito, e para nós foi a regra quebrada em apenas quatro ocasiões em democracia (mesmo se a respectiva duração pode atraiçoar a memória e levar-nos a pensar o contrário) é, para os britânicos, uma excepção.
Não me lembro, no entanto, mesmo em momentos de crise como o actual, em que as medidas de austeridade que a crise financeira impõe são acordadas entre o primeiro ministro e o principal partido da oposição, de ver tamanha clareza e exposição dos resultados da negociação que sempre decorre nestes momentos. No fundo, os políticos sabem que quanto menos informação temos menos responsabilizáveis serão pelos seus erros, e por outro lado ninguém quer assumir em futuras campanhas medidas concretas potencialmente impopulares que tenha tomado agora.
O que os políticos parecem não perceber e que é precisamente por não conhecermos as medidas que tomam, certas ou erradas, mas por percebermos que o único esforço que fazem é precisamente o de não nos dar informação que os possa comprometer (e por isso a disputa política parece reduzir-se às obras a que se é favorável ou contrário, e à subida e descida de impostos), que não há quase um português que dê verdadeiro crédito a quem exerce a que deveria ser uma das mais nobres actividades de uma sociedade civilizada. E quando falo de civilização, comparando o Guardian de hoje com o noticiário político da imprensa portuguesa, apetece-me dizer what a difference...