Sunday, May 23, 2010

"This is important"

A forma como o nosso cérebro funciona, confiando na capacidade de previsão para preencher os espaços vazios entre as coisas e assim torná-las de mais fácil apreensão, e libertando assim tempo para o pensamento de nível mais alto, é fértil em armadilhas, muitas das quais nos rodeiam desde sempre sem que nunca nos tenhamos dado ao trabalho de olhar para elas com atenção.

Reparei, numa das séries americanas de acção que a nossa televisão é fértil, que quando se dá típica situação em que a dupla de polícias tenta obter a ajuda de alguém que se recusa a colaborar, e não pode ser obrigado a fazê-lo, acaba por surgir, quando parecem prestes a desistir, o pedido, quase súplica, a frase mágica que desbloqueia o impasse: "Please, this is important". Se é importante pronto, não se fala mais nisso, que de tanto se repetir a fórmula já ninguém a questiona.

Wednesday, May 12, 2010

What a difference

Depois de cinco dias de negociação pós-eleitoral seguida a par e passo pela imprensa os Conservadores e Liberais Democratas britânicos acordaram o primeiro governo de coligação que a Grã Bretanha vê desde a segunda guerra mundial, quando as circunstâncias claramente extraordinárias levaram à formação de um governo de unidade nacional sob a batuta desse grande vulto do Século XX que foi Churchill.

O Guardian de hoje expunha detalhadamente o que cada uma das partes ganhou e cedeu no acordo, onde destaca o compromisso conservador em aprovar legislação que permita um referendo sobre a alteração do sistema eleitoral (mesmo que depois faça campanha por uma posição diferente da do seu parceiro de coligação), que votou o terceiro partido à irrelevância nas últimas seis décadas e protege, segundo alguns analistas, os conservadores da maior força proporcional do voto trabalhista no Norte inglês e na Escócia.

Mais do que o que cada partido cedeu ou aceitou, ou do que a forma como os pontos de negociação espelham as diferenças ideológicas e da forma de ver a Grã Bretanha de cada um dos partidos, o que acho admirável é a forma clara e transparente como os eleitores, que estes políticos nunca esquecem representar, têm exacto conhecimento, medida a medida, compromisso a compromisso, da plataforma sob a qual os partidos acordam partilhar o poder e formar Governo juntos.

E se é de facto admirável a elevação e a clareza do processo no caso do Reino Unido, tanto mais se torna quando nos recordamos o quão raro e distante é, na história e na cultura democrática deste País, a realidade de um Governo de coligação. O que para os europeus continentais é um hábito, e para nós foi a regra quebrada em apenas quatro ocasiões em democracia (mesmo se a respectiva duração pode atraiçoar a memória e levar-nos a pensar o contrário) é, para os britânicos, uma excepção.

Não me lembro, no entanto, mesmo em momentos de crise como o actual, em que as medidas de austeridade que a crise financeira impõe são acordadas entre o primeiro ministro e o principal partido da oposição, de ver tamanha clareza e exposição dos resultados da negociação que sempre decorre nestes momentos. No fundo, os políticos sabem que quanto menos informação temos menos responsabilizáveis serão pelos seus erros, e por outro lado ninguém quer assumir em futuras campanhas medidas concretas potencialmente impopulares que tenha tomado agora.

O que os políticos parecem não perceber e que é precisamente por não conhecermos as medidas que tomam, certas ou erradas, mas por percebermos que o único esforço que fazem é precisamente o de não nos dar informação que os possa comprometer (e por isso a disputa política parece reduzir-se às obras a que se é favorável ou contrário, e à subida e descida de impostos), que não há quase um português que dê verdadeiro crédito a quem exerce a que deveria ser uma das mais nobres actividades de uma sociedade civilizada. E quando falo de civilização, comparando o Guardian de hoje com o noticiário político da imprensa portuguesa, apetece-me dizer what a difference...