Thursday, February 26, 2009

Uma crise inédita, de consequências imprevisíveis

Ouvia há algum tempo o Mário Crespo, com aquele seu ar de quem parece saber de tudo mesmo nunca tendo mostrado saber de coisa alguma, a falar na SIC -- na sequência de um depoimento de Francisco Louçã, no seu habitual tom inflamado que dispensa o som do televisor para conhecer o conteúdo, e antes de o entrevistar -- desta ser "uma crise inédita, de consequências imprevisíveis".

Mesmo descontando a infalível tendência que os pivots de televisão têm de inventar na introdução da pergunta ao entrevistado, particularmente quando este é um político, o que deteve a minha atenção não foi isso.

O que me chamou a atenção foi a naturalidade com que o pivot debitou um lugar comum como se de uma verdade indesmentível se tratasse. De inédita esta crise não terá nada, e se pensarmos que centenas de bancos americanos faliram em 1929 entendemos o ridículo da questão. E a vida, oh Mário, traz-nos por natureza o imprevisto. Mas longe de mostrar alguma duvida Crespo disse-o de uma forma natural, expressando o lugar comum sem adiantar a mais pequena sombra de um facto ou novidade, já para não falar de notícia.

Não ajuda na minha apreciação tê-lo feito perante o político português mais hábil na prática da auto-lobotomia, especializado em desligar momentaneamente a sua própria inteligência e sentido crítico para apresentar os factos de forma simplificada e empacotada, prontos a serem consumidos por uma juventude urbana que dificilmente distingue O Capital da Kapital, num guião estudado em que o grande capital americano quer lixar a vida aos jovens que dividem três assoalhadas na Graça com ajuda dos pais e não têm dinheiro para se embebedar com vodkas finas por isso bebem cerveja no Bairro Alto.

E o que me incomoda não tem a ver com o meu pouco apreço pelo Louçã -- e apesar de divergirmos ideologicamente o que eu detesto nele é a suprema demagogia de uma pessoa inteligente que apresenta como simples coisas complicadas só porque o resultado lhe convém -- mas porque sendo o interlocutor quem é exigia-se que fugisse a este jogo sem sentido, de ser capaz de proferir uma quantidade de lugares comuns generalistas na pergunta que excede qualquer coisa que o político será capaz de dizer na resposta.

O que me incomodou, em suma, não foi nada disto, mas antes a certeza que pouca gente reparou sequer em mais uma sentença, mas apesar disso é certo que alguém,
algures numa conversa de café, enquanto se quebra o gelo duma reunião ou até numa qualquer opinião que eu veja escrita, vai repetir a atoarda, e proclamar com aquele ar de quem sabe do que está a falar, que estamos numa crise inédita e de consequências imprevisíveis.

Tuesday, February 24, 2009

Ermelinda do Menino Jesus Fong

Recebi recentemente na minha caixa de e-mail mais um pedido para assinar uma petição online. Tratando-se de preservar a livraria portuguesa em Macau, que segundo os promotores da petição um negócio imobiliário ameaça obrigar a saír da emblemática praça do Leal Senado para um prédio numa rua secundária, neste caso não podia deixar de fazer o meu pequeno gesto de democracia participativa, porque mesmo que não acredite grandemente na capacidade dos portugueses para a democracia não posso negar que participar é a única forma de poder criticar quem não o faz, para além do tema ser de alguma forma caro ao coração de quem passou parte da sua infância no último pedaço do nosso império ultramarino.

Ao rever a lista dos signatários da petição deparei-me com um nome que se destacava dos restantes. Era uma daquelas deliciosas expressões do bonito que é por vezes ser português, uma beleza diferente que dificilmente conseguimos explicar a quem é de fora, porque é preciso dominar as subtilezas do idioma para entender a imaginação que os portugueses são capazes de colocar no nome de uma terra ou de uma pessoa.

Essa excentricidade, legada do povo que inventou a língua aos que nasceram a falá-la -- de que o exemplo mais evidente deve ser a capacidade, certamente sem paralelo no mundo, dos brasileiros de dar nomes originais aos filhos -- é um dos sinais que sempre me levaram a acreditar que a minha pátria é a língua portuguesa. É por isso para mim uma alegria encontrar aqueles pequenos detalhes que só um português entende, e encontrei-a ao percorrer a lista, quando me deparei com o magnífico nome de Ermelinda do Menino Jesus Fong, com a graça de Deus e o apoio precioso do notário macaense para quem aquele terá sido, asseguro-vos, mais um dia igual aos outros na sua missão de registar o aumento da população do império lusitano.