Quando vejo o nosso primeiro, com o seu ar grave e levemente irritado, ser matraqueado na SIC notícias ocorrem-me sempre os excelentes artigos do Cintra Torres, que com precisão cirúrgica desmonta a propaganda despudorada que a excelente máquina comunicacional socialista consegue pôr-nos todos os dias na televisão. Mas também me ocorre outra coisa, a forma como a primeira vez que o português comum ouviu a expressão "Central de Informação" foi em mais um anúncio trapalhão do divertido consulado de Santana Lopes.
Confesso que me intrigou, na altura, a razão que levaria alguém no seu perfeito juízo a anunciar que ia organizar a propaganda — palavra que suspeito ainda haja muitos portugueses comuns que conhecem, embora nenhum seja jornalista de televisão — do Governo, legitimando por portaria um serviço de contratação de agências de comunicação. Era uma manobra demasiado desastrada para ser verdade, a não ser que tivesse um propósito oculto.
Ocorreu-me há pouco qual poderia ser este propósito ao ver Sócrates zangado com algo com a habitual veemência, a televisão naquele nível de som que permite ignorá-lo sem esforço e, para que a mensagem ficasse clara para os distraídos ou desprevenidos, a suprema pérola na legenda da barra inferior SIC Notícias, : "Jose Socrates critica politicos que convidam o País à desistência". A não ser que algum dos partidos tenha introduzido a desistência no seu programa, presumo que a SIC Notícias vá agora convencer o Fernando Mamede a fundar um novo partido, para dar sequência a esta novela que ela própria iniciou.
Ora aí está o dedo inconfundível dos magos do 'sound bite', dos mestres da arte de pôr os media a papaguear uma frase cozinhada em laboratório. Falo com conhecimento de causa, porque enquanto não arranjei um trabalho ligeiramente mais respeitável foi esta a minha ocupação da primeira meia dúzia de anos em que tive um emprego para sustentar os índices de consumo alcoólico que patenteava na juventude, porque só na juventude se pode conjugar quatro a seis saídas nocturnas semanais com a possibilidade de fazer títulos no jornal da manhã seguinte.
Ao ver a legenda da SIC Notícias ocorreu-me uma verdade incontornável: uma vez testada a receita, e provada a facilidade com que se condicionam os mass media, governo algum vai prescindir desta arma no seu arsenal. Acabará por se tornar num dado adquirido, e aceite como normal, o que por sua vez acabará por levar à conclusão que é mais eficaz e barato, e como tal melhor para o contribuinte, criar, por portaria e até decreto-lei, uma entidade que trate da relação do Governo com as agências e consultores de comunicação. E nessa altura, muitas avenças depois, Santana terá a sua pequena vingança, ao reclamar a prova de como ele, sempre o incompreendido, afinal estava era avançado demais para o seu tempo.